SER LIVRE EM DEUS


A concepção cristã de liberdade parte de pressupostos que, ainda hoje, são impactantes pela ousadia com que Jesus nos apresentou a sua forma de relacionamento com o Pai e pela distância que nós, cristãos católicos, ainda temos de percorrer para conseguir abraçá-la tanto a nível espiritual quanto no nível de adesão eclesial. Jesus traz a sua mensagem libertadora amparado pela perspectiva de estrita relação amorosa com Deus. Este já não se configura somente como o Senhor da criação, a quem devemos o respeito e o temor, mas vem a nós transformado em nosso “Abbá”, em nosso Pai, que nos criou no amor e deseja, antes de tudo e partir de um relacionamento mais íntimo com o ser humano, fazer dele uma criatura realizada. O exemplo mais nobre dessa inédita concepção de Deus nos vem exposta pela parábola do Filho Pródigo (cf. Lc 15,11-32): a relação entre pai e filho é marcada pelo respeito à liberdade de decisão e pelo amor que se pauta, sobretudo, pela misericórdia. Deus, igualmente, respeita a nossa decisão – e não age, como é de supor pela imagem de Deus criada até então, por atitudes de coação, opressão e violência – e deseja a adesão humana de maneira consciente e livre.
O cerne da liberdade cristã encontra-se, pois, nessa relação ousada de amor de que Jesus se utiliza para nos fazer compreender a autêntica imagem de Deus. Tal liberdade é condicionada ao amor, bebe do amor a sua orgânica configuração de livre adesão a Deus e ao seu projeto, que engloba, como é de supor, o amor ao próximo. A prática do amor, em que o homem o recebe e o doa livremente, como impulso do coração e em espírito confiante e desimpedido, a Deus, é, em suma, a marca maior da liberdade. Tal dimensão de amor é compreendida como adesão e obediência ao mandamento divino, não em postura de obediência cega, marcada pelo rigorismo e fidelidade jurídica a preceitos, mas no ideal de união de propósitos motivada pela experiência religiosa do homem com a caridade divina. A vontade de Deus não é lei imposta arbitrariamente, mas caminho de salvação indicado, pela consciência humana iluminada pelo Espírito Santo, pela sabedoria divina.
Sendo o homem filho de Deus, pela mensagem de Jesus, ele goza de liberdade que não pode ser tocada pela força externa de qualquer autoridade. É liberdade soberana, cuja dignidade é excelsa porque fruto da salvação operada por Jesus, e que não pode ser controlada nem pelo próprio Deus, segundo quis Sua vontade. Tal liberdade é, nas palavras de Cristo, um apelo contra a obediência inócua pregada pelo farisaísmo de Seu tempo. Tal respeito discriminatório nasce de uma moral legalista que não leva à verdadeira experiência de Deus; antes, fecha-se em um mero cumprimento de leis e normas religiosas que servem como instrumento de opressão e controle, não de caminho ao Pai.
Cristo prega uma liberdade que é graça, porque nos leva a assumir nova identidade e gozar da plena dignidade ofertada por Deus. Ser livre pela experiência amorosa com o Pai, entretanto, nos condiciona moralmente a amarmos a nossos irmãos, como consequência natural daquele primeiro amor. Tal é a regulação fundamental da liberdade cristã: o amor ao próximo, sem que isso implique em pressão externa ou determinação impositiva. É atitude consonante com a adesão anterior e primordial ao projeto de Deus concretizado na pessoa e nos ensinamentos de Jesus, por cuja Páscoa nos tornamos homens e mulheres renovados.
Dessa maneira, ser cristão significa, antes de tudo, instalar-se em comunidade e viver nela o desafio do amor entre irmãos. É direcionamento ao espírito coletivo, atendendo às determinações éticas que são fruto da solidariedade e da fraternidade, que nos impedem de exercer a liberdade inconsequente e irresponsavelmente. Abraçamos um ideal de liberdade que não é desrespeito ao próximo, de caráter egoístico e narcisista – que é libertinagem, falsa imagem de liberdade que leva à prisão do homem – mas assunção da graça da caridade na perspectiva de valorizar o próximo com extensão ideal do amor divino.
No seio da Igreja, tal liberdade deve ser assumida pelos católicos, que ainda assumem uma falsa imagem dos mandamentos e direcionamentos eclesiais, posto que buscam a obediência sem autêntico espírito de conversão, de adesão ao projeto divino – o que lembra a proposta farisaica de religiosidade. O católico parece ater-se somente à letra fria da lei, sem atentar aos ditames éticos do seguimento de Cristo – entre os quais se sobressai a prática do amor que leva à liberdade – que deveriam ser o cerne de suas práticas espirituais. Devemos fugir da concepção da moralidade profundamente arraigada no legalismo, inspirando-nos antes no chamamento de Deus, que é Amor, a exercer tal caridade e livremente optarmos pelo Sumo Bem que advém de Sua Graça. Ser livre, em Jesus, significa, pois, ser homem novo à luz de uma conversão sincera, fruto do abandono de que tudo aquilo que nos afasta de Deus, o que requer extrema maturidade espiritual e ousadia na assunção dos riscos que lhe são inerentes.

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