CAMINHO DE (IM)PERFEIÇÃO


Existe um consenso geral no coração dos cristãos de que a meta daquele que segue a Jesus Cristo é a santidade, a união esponsal perfeita entre o que o crê e o Amado. A vida toda é caminho rumo ao céu, à contemplação eterna da Trindade e à vida entre os santos. Este caminho é um aprendizado contínuo, no qual cada um de nós abdica do homem velho – preso ao pecado e à concupiscência, aferrado ao próprio orgulho e à própria vontade ferida – para abraçar o homem novo – desenhado à imagem e semelhança de Cristo, que nos leva ao Pai. É caminho, pois, de aperfeiçoamento pessoal, através do qual conquistamos uma nova vida, talhada em compromissos éticos e em novas realidades espirituais intransponíveis. Somos chamados a isso, essa é a nova vocação: sermos santos no Santo, unidos a Ele. Para cumprir este chamado, uma só coisa é necessária: estarmos abertos à obra transformadora do Espírito, que nos leva a fazer, do fundo do nosso coração, o clamor filial que cura e restaura – “Abbá!” (cf. Gl 4,6).
No entanto, este itinerário não parte de realidades ideais ou de utopias, mas do chão arenoso da nossa humanidade ferida. Santidade não é, como se pensa muitas vezes, a linha de chegada, mas o próprio percurso. Na ânsia de relacionar o chamado a ser santo com a perfeição, nós nos esquecemos de quem somos e de onde partimos para abraçar uma meta muitas vezes irrealizável. É na nossa realidade pessoal, marcada pelo pecado e pelo nosso egoísmo, o ponto a partir do qual o caminho rumo ao céu começa a ser desenhado. Não devemos partir de um apego exagerado ao desejo de perfeição, levados por critérios equivocados e exagerados que estão centralizados apenas em nosso esforço pessoal, mas, sim, das nossas imperfeições, das nossas fragilidades, daquilo que, em nós, ainda é incompleto, impreciso, inconcluso. É justamente aquilo que nos falta, o que em nós é carência, que será preenchido pela misericórdia de Deus, pela abundância de seu amor compassivo.
O Evangelho de Mateus, no seu capítulo 9, nos fala da vocação do evangelista e do convite deste feito a Jesus a tomar a refeição em sua casa. Estando Cristo à mesa, “numerosos publicanos e pecadores vieram e sentaram-se com eles e seus discípulos” (v. 10). Isto foi motivo de escândalo para os fariseus: “Por que come vosso mestre com os publicanos e os pecadores?” (v. 11). A vida religiosa, naquele tempo como hoje, exige de nós um esforço constante de fuga do pecado, um afastamento do erro e daquilo que nos distancia de Deus. Para chegarmos a ser perfeitos como o Pai, como Jesus insistentemente nos chamava a buscar, nós devemos assumir uma nova vida, baseada em novas escolhas morais, éticas e espirituais. Mas estas escolhas não devem nunca nos fazer esquecer daquilo que somos, sob pena de, ao invés de santos, sejamos mais bem fariseus ciosos do cumprimento dos deveres. Não é o orgulho que nos leva ao Pai, mas a pequenez; não é o estrito esforço pela “perfeição” (entendida aqui não como trajetória a ser trilhada, mas como ideal estéril desvinculado da realidade humana) que nos encaminha para o céu, mas a humilde caminhada percorrida no chão da nossa história acidentada, paulatinamente transfigurada em Cristo. Sempre há o perigo de a escrupulosidade tomar o lugar da misericórdia em nossas vidas: querendo ser santos, tornamo-nos cegos à Graça; buscando o ideal imaculado de perfeição (sob critérios eminentemente humanos, desarraigados de Deus), chegamos apenas a tomar consciência da nossa própria incapacidade pessoal de atingi-lo.
O caminho é outro, pois. E é Jesus quem nos dá as pistas para percebê-lo: “Não são os que estão bem que precisam de médico, mas os doentes” (Mt 9, 12). A nossa miséria – o reconhecimento de que somos necessitados e famintos – é a chave que aciona a abundância da misericórdia de Deus. É na nossa imperfeição que encontramos o caminho que nos levará a superá-la e vencê-la. A imagem do médico, aqui, é perfeita: é na falta da saúde (física, espiritual, emocional) que percebemos a necessidade de buscar a ajuda. A enfermidade nos leva a procurar socorro, e esse caminho de humildade, por si só, já é o primeiro passo para a cura. O médico só atua em nós na medida em que nos expomos à sua atuação sanadora, em que depomos diante dele o que nos aflige e relatamos as nossas dores. Uma vez necessitados e pedintes, recebemos em troca o auxílio necessário: de Deus, a manifestação carinhosa de seu amor paterno, a sua própria misericórdia derramada em nós. Ela tem o poder de nos converter, de aparar as arestas de nosso coração, de nos fazer entender que é apenas na Trindade que encontramos o repouso.
O Papa Francisco, no livro O Nome de Deus é Misericórdia, nos ensina: “Os Padres da Igreja ensinam que esse coração humilhado é a oferta mais apreciada por Deus. É o sinal que nós estamos conscientes do nosso pecado, do mal que fizemos, de nossa miséria, de nossa necessidade de perdão, de misericórdia”. Este coração humilhado é chão fecundo onde nasce o homem novo, “criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4, 24). Este coração quebrantado (e imperfeito) permite que Deus aja, que Deus transforme, que Ele realize a sua ação renovadora, através da afirmação amorosa de Seu senhorio sobre nós e da nossa negação do que em nós é soberba e animosidade. É do reconhecimento do nosso diminuto tamanho que surge a oportunidade de que seja derramada em nós a grandeza de Deus, absorvendo-nos no oceano infinito do seu amor misericordioso. O céu é, pois, dos que se fazem pequenos para se tornaram grandes na intimidade com Deus; dos que, imperfeitos, abraçam a perfeição que só alcançada no (e pelo) amor da Trindade.

Comentários

Postagens mais visitadas