A VIDEIRA E OS RAMOS


No coração do homem, há um desejo inato e irresistível de alcançar a felicidade. Todos os seus projetos, aspirações e ações estão dirigidos a sua realização interior, a sua plenitude de vida. Todos nós estamos sedentos, necessitados de algo que traga sentido total as nossas vidas. Esta necessidade é o que o Catecismo da Igreja Católica chama de desejo natural de felicidade: “Este desejo é de origem divina: Deus o colocou no coração do homem, a fim de atraí-lo a si, pois só ele pode satisfazê-lo” (§ 1718). O ser humano, dotado de grandiosas faculdades físicas, mentais e espirituais, é capaz de trabalhar pelo seu desenvolvimento pessoal e lograr, mesmo com suas limitações, o maior grau possível de realização interior. Diz-nos Santo Agostinho: “Todos certamente queremos viver felizes, e não existe no gênero humano pessoa que não concorde com esta proposição, mesmo antes de ser formulada por inteiro”. Esta felicidade, desejada e buscada pelo homem, está a seu alcance, mas aqui reside uma pergunta fundamental: ele a pode perfeitamente obter por seus próprios méritos e ações? O homem é capaz da sua felicidade por suas próprias forças apenas?
Esta pergunta ganha relevo em razão de, em nossos dias, mais e mais pessoas estarem convictas de que sua realização individual se encontra alicerçada no próprio esforço. O segredo do sucesso (e esta palavra não está empregada aqui por acaso...) está no fato de homens e mulheres, por meio de técnicas e conceitos muito bem elaborados, conseguirem vencer suas fragilidades e assumirem para si um caminho de vitória, implementada por uma bem-sucedida posição social, uma situação financeira confortável e a atenção das demais pessoas. É uma felicidade forjada em planilhas e em apresentações de slides – nos quais o caminho das pedras está desenhado por pessoas de êxito – e concretizada a partir da ideia central de que a realização pessoal está no interior dos indivíduos, no desenvolvimento constante e gradual de suas potencialidades. Pessoas bem-sucedidas são aquelas que venceram no ambiente inóspito da mediocridade geral, que estão no topo e que são capazes, inclusive, de compartilhar (ou melhor, vender) suas receitas de felicidade.
Estas receitas estão nos livros de autoajuda, nos cursos de coaching, no ambiente empresarial, mas também estão circulando entre nós na forma de slogans, campanhas de marketing agressivo, propostas de vendas, ofertas profissionais. O mundo é dos que vencem, dos que compram a receita da felicidade e conseguem implementá-la em si mesmos, transformando a própria vida em um case de sucesso invejado por muitos. Ninguém deseja ser perdedor: a mediocridade e a vida comum não servem como parâmetro e como vitrine para as pessoas. O sucesso existe para ser conquistado e, melhor ainda, ser exposto, divulgado e compartilhado. Na roda-viva da felicidade vendida a granel, o homem encontra, se tiver sorte, a realização exterior, mas percebe outras coisas ficarem no meio do caminho, como a espiritualidade e a vida interior. Talvez descubra um sentido na vida, mas este já virá com prazo de validade vencida: o primeiro revés pode derrubar todo um castelo de areia, e a medida humana da realização individual tem o tamanho de sua incompletude e imperfeição. O sucesso do homem que se basta a si mesmo pode até ter copas altas e galhos fortes, mas não tem raízes. O seu centro vital – a sede de sua felicidade genuína e completa – está vazio.
E aqui retornamos à ideia defendida pelo Catecismo conforme citado acima: o desejo de felicidade no coração do homem é de origem divina e somente Deus poderá satisfazê-lo. Colocar Deus na equação não atende simplesmente a uma aspiração puramente espiritual, mas procura solucionar o problema da busca da felicidade pelo homem de maneira plena, completa, total. Ainda que dotado de potencialidades e propenso (e chamado) a realizar-se, o ser humano não é capaz, por si só, de lográ-lo: suas incapacidades falam mais alto aqui, e tudo aquilo que possa conseguir por seus próprios esforços não chega nunca a se comparar com o que Deus, seu criador, realiza em sua vida. A nossa verdade mais íntima e o nosso caminho de felicidade estão traçados em Deus desde toda a eternidade: “Eu sou o que Deus pensa de mim”, já ensinava Santa Teresa de Lisieux. As nossas capacidades pessoais só encontram razão de desenvolver-se se estiverem alicerçadas em Deus: “Dotada de alma espiritual, inteligência e vontade, a pessoa humana, desde sua concepção, é ordenada para Deus e destinada à bem-aventurança eterna. Busca sua perfeição na ‘procura e no amor da verdade e do bem’” (CIC, § 1711, com citação de “Gaudium Et Spes”, 15, 2).
O homem, criado à imagem e semelhança de Deus, só se realiza e se aperfeiçoa n’Ele e com Ele. Mesmo as suas aptidões são dons dados por Deus e, uma vez plenamente desenvolvidas, devem ser ofertadas a Ele e ao próximo. “Deus criou o homem dotado de razão e lhe conferiu a dignidade de uma pessoa agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. ‘Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão’ (Eclo 15, 14), para que pudesse ele mesmo procurar seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegar à plena e feliz perfeição” (CIC, § 1730). Tudo aquilo que o homem é capaz de realizar por si mesmo, ainda que bom e meritório, jamais poderá se igualar àquilo que ele poderia fazer em perfeita unidade com Deus, no qual encontra a finalidade última de seus anelos e a razão de sua felicidade. Além disso, o êxito alcançado pelo homem não se encontra naquilo que é externo e transitório, mas naquilo que é íntimo e permanente: a sua própria vida oferecida a Deus, como gratidão filial, e aos demais, como generosa oferta.
Só seremos plenamente felizes se estivermos unidos a Deus, esta é a verdade que nos ensina Jesus no Evangelho de João: “Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanece na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim” (15, 4). Cristo é a videira da qual obtemos o alimento necessário para a nossa subsistência – material e espiritual – e nós somos os seus ramos. Esta dependência de Deus é, para nós, motivo de imensa alegria: a nossa felicidade depende de estarmos unidos, vinculados, estreitamente ligados Àquele que nos criou por amor. Só seremos bem-sucedidos e livres se estivermos presos a Cristo e nos deixarmos podar pela ação divina sobre nós, para que possamos produzir “mais fruto ainda” (Jo 15, 2). Nossos frutos servem para nossa própria edificação interior e também para o crescimento das outras pessoas: o sucesso não é estar no alto, sobre os demais, mas em estar ao lado deles, compartilhando generosamente os resultados de nossas realizações. Não somos nós os responsáveis únicos pelo nosso êxito, mas contamos sempre com o necessário auxílio d’Aquele sem O qual “nada podemos fazer” (Jo 15, 5).
“Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto” (Jo 15, 5). A nossa realização, sem suma, está em permanecermos em Deus e em dedicarmos nossos esforços na busca pela plenitude pessoal na intimidade com Ele e ofertando a Ele tudo o que somos e temos, assim como na doação ao próximo: “Em união com o seu Salvador, o discípulo alcança a perfeição da caridade, a santidade” (CIC, § 1709) A medida de Deus em nós ultrapassa as nossas forças e supera as nossas capacidades, o que redunda numa felicidade real, não fictícia e fabricada. O nosso pleno desenvolvimento interior só se dá na união com o divino, não na nossa impotência humana. Cristo se utiliza de nós para realizar entre os homens Seu plano de amor e é aqui onde reside a nossa alegria, em fazer Sua vontade com gratuidade e disponibilidade. Como nos diz São João Eudes: “[Cristo] deseja ardentemente fazer uso de tudo o que está em vós para o serviço e a glória de seu Pai, como coisa sua”. Felizes seremos se estivermos como ramos unidos à Videira, como nos ensina São Paulo: “Para mim, viver é Cristo” (Fl 1, 21).

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