NÃO TEMAS!
O
amor de Deus encontra grandes dificuldades em atingir o nosso coração porque
não há nele abertura satisfatória para que a Graça nos penetre. As
dificuldades, as dores e os traumas que nos afligem nos cegam à Luz redentora
de Deus, e nos perdemos, então, na escuridão da fé que é presente no nosso
dia-a-dia. Parece-nos que Deus se doa em doses homeopáticas, na ocasião de uma
grande Ação de Graças, uma Missa ou uma Oração de Cura, e se esconde de nós
quando do nosso ofício cotidiano de carregar a Cruz. Para nós, a singeleza da
oração pessoal diária, propositadamente (da parte de Deus, frise-se)
desacompanhada, no mais das vezes, dos sinais maravilhosos e extraordinários da
Sua Presença, não nos revela os grandes deleites do Céu da maneira como queríamos.
Mas é justamente o contrário o que ocorre e, pela nossa cegueira, não nos é
descoberto esse Senhor que age no conforto dos pequenos milagres. Quando os
problemas habituais parecem nos sufocar, esquecemos de rogar Àquele que está
bem perto de nós, e ganharmos a graça da intimidade Dele, para esperar
grandiosos feitos que contradizem com a simplicidade do Amor Puro.
Dia
desses, disseram-me que a expressão “não
temas” (e seus correlatos) aparece nada menos que 365 vezes no texto
bíblico. Quase caí da cadeira: veio-me de estalo na mente a idéia do carinho de
Deus a nos envolver no raiar do sol, sempre a dizer: “Não temas!”. Não temas as
dificuldades a aparecerem no decorrer desse dia, não temas as palavras ásperas
que hás de ouvir no trabalho, não temas a dor da perda de uma pessoa querida,
não temas compartilhar a tua vida sob pena de vir a ser desprezado... Como
teríamos, então, experimentado o Amor de Deus de forma tão próxima e amiga!
Sim, porque para nós Deus é algo tão grande e complexo que nos perdemos e nos
amofinamos em apresentar os nossos problemas a Ele, como se lhe faltasse tempo
e disponibilidade para nós.
Muito
se comenta a respeito da Misericórdia de Deus nas nossas vidas, da boca de teólogos,
sacerdotes e santos. Aquilo é guardado em nós mas não produz muito fruto no
andamento de nossa vida prática, como se nossa vida espiritual fosse assim uma
espécie de hobby. Falamos de confiança em Deus, de entrega das nossas vidas a
Ele, mas nos mantemos sempre de pé atrás, desconfiados sob o peso da nossa Cruz
que, para nós é castigo e não aprendizado. Olhamos para o lado trespassado de
Jesus, e para a fonte de Misericórdia que enlouquece os soberbos e eleva os
humildes, sem, entretanto, deixar calar nos nossos pensamentos materialistas e
egoístas a mensagem e o alento que há por trás daquela riqueza. É talvez mais
cômodo gozar de nossas dúvidas do que nos aprofundarmos na mensagem desse Deus
que se doa...
Chagado,
humilhado, completamente entregue, e, ainda assim, amante. Ninguém ousaria
olhar para Jesus sofredor no lenho da Cruz e imaginar que, num brado de
profundo amor, ele diz: “Não temas!”.
Mas é essa a mensagem estampada nas entrelinhas do Evangelho, e que hoje ainda
nos toca no momento da Eucaristia, quando Deus ama o homem na intensidade da
união total. Quando tudo na vida parece insustentável, pesado demais, Jesus se
oferece novamente em sacrifício no altar, derramando o seu sangue e entregando
o próprio corpo em oblação para nós. Isso, ao invés de nos confortar, confunde
a ponto de negarmos a Deus e a nós mesmos, filhos e herdeiros de Seu Amor.
Como
Pai atenciosíssimo que é, Deus não se cansa: “Não temas!”. E nos repete isso até à conquista de nossos corações.
É Sua intenção fazer de nós almas esposas,
nas palavras de Santa Teresa D’ávila. Unidos a ele pelo vínculo santo da
filiação, somos chamados a corresponder a este Amor verdadeiro, depositando Nele
toda a nossa confiança e complacência, deixando-nos envolver pelo gozo
irresistível da Misericórdia. Quando amamos Deus até o limite dos nossos corações,
a se expandir pela prática dos sacramentos e pela via maravilhosa da oração,
sentimos cada vez mais fome de Amor, e retornamos a Ele, num círculo virtuoso
que sela a nossa Salvação. É Ele, sempre em expansão no Seu Coração que abarca
o Universo e o que nele habita, quem inspira em nós a firmeza dos passos e a
decisão pela santidade, a dizer: “Não
temas!”.
Amar
e confiar. Descobrir a potencialidade dessa verdade é possível pela escuta de
Deus no momento de oração e pela leitura da Palavra, fazendo-nos seguros na
nossa caminhada rumo ao Céu. Nossa Senhora nos serve de grandioso exemplo,
quando guarda em seu coração o suave sabor do cuidado do Senhor pela boca do Anjo
Gabriel, a lhe dizer: “Não temas!” (Lc
1,30). Esse foi o primeiro passo de sua firme adesão à vontade de Deus, que lhe
fez enfrentar os medos e os sofrimentos de seu Filho, para, ao final, na Glória
Celeste, contemplar em si o cumprimento da promessa do Pai, que “olhou para a humildade de sua serva” (Lc
1, 48).
É preciso humildade para aniquilar-se a si mesmo diante da Verdade incontestável que é Deus e sabedoria para efetivar os passos rumo à Sua Presença, apesar da crueza do desamor que nos rodeia e do peso constante da Cruz. Quando isso acontecer, a cada novo dia, efetivamente, nós ouviremos o Amor de Deus soprar dentro de nós a sua exortação de Paz: “Não temas!”.
É preciso humildade para aniquilar-se a si mesmo diante da Verdade incontestável que é Deus e sabedoria para efetivar os passos rumo à Sua Presença, apesar da crueza do desamor que nos rodeia e do peso constante da Cruz. Quando isso acontecer, a cada novo dia, efetivamente, nós ouviremos o Amor de Deus soprar dentro de nós a sua exortação de Paz: “Não temas!”.
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